Sou uma planta de algodão
Abanada pelo vento
numa tarde húmida.
Desfaço-me ao sentir as gotas
Cair na minha cabeça.
Perco a beleza, perco a virtude.
Perdi-me.
Friday, December 12
Inferno #242: dentista
à saída do dentista, na tarde mais cinzenta de que me lembro, pisava o passeio e era acompanhada pela minha cabeça, cortada, a rolar no chão
Inferno #241: Jogo de profissões.
Passámos muitos anos a olhar-nos nos olhos, a roçar narizes, a lamber lábios, a segredar histórias que eram já nem sei de quem.
Éramos psicanalistas, esquimós, gourmets, contadores de histórias. Podíamos ser tudo, porque éramos nós, e um validava toda e qualquer ideia do outro.
Agora repousamos numa curva de uma estrada secundária, onde nos perdemos porque acreditámos que éramos mesmo imunes a qualquer coisa...
Éramos psicanalistas, esquimós, gourmets, contadores de histórias. Podíamos ser tudo, porque éramos nós, e um validava toda e qualquer ideia do outro.
Agora repousamos numa curva de uma estrada secundária, onde nos perdemos porque acreditámos que éramos mesmo imunes a qualquer coisa...
Tuesday, November 11
Inferno #240: Matemática.
Quanto tempo é preciso para que duas pessoas sintam genuinamente falta uma da outra?
Monday, November 10
Inferno #239: Maioridade.
Tornava-se cada vez mais difícil esconder que o tempo passava, e ela continuava no mesmo lugar. Não acontecia nada de extraordinário, não havia explosões, apenas coisas pequeninas, mundanas. O cabelo que caía no Outono, a nuvem negra a pairar sobre a cabeça no Inverno, o cansaço e a vontade de sair da cidade para outro lugar, qualquer lugar. Não havia pessoas novas, apenas camisas, fatos e gravatas iguais. Ninguém lhe disse que seria fácil, mas nunca pensou que fosse tão difícil.
Saturday, November 8
Inferno #238: A casa.
Tenho uma casa pequena. Nela, o tecto tem a altura dos meus pés, e o chão dá-me pela cabeça. Não existem móveis, ou roupas, ou quadros, só o silêncio infinito. Entro nela, e tranco-me com uma chave de cinzas. Não há nada nesse nada, onde tecto e chão se cruzam e anulam. Só um cheiro de especiarias doces e enjoativas (cravinho e erva-doce). É a minha casa, onde entro sempre que quero.
Friday, November 7
Inferno #237: Mãos.
Essas mãos, aí em baixo, são as minhas ou as de outra pessoa?
Lembras-te que, há muitos anos atrás, éramos só um do outro, só nossos? Partilhávamos a comida, os bancos, os pensamentos e as músicas. Éramos as nossas mãos com que partíamos coisas aos pedaços, para nos alimentarmos.
Depois fiquei míope, deixei de te conseguir alcançar com as mãos e os olhos. Navegaste para muito longe, e quando voltaste não eras a mesma pessoa, já não te conseguia decifrar o pensamento; já não querias partilhar a tua comida comigo.
Agora que te toco, pois jazes no chão, e sei que estas são as minhas mãos, pergunto-me se também o saberás.
Lembras-te que, há muitos anos atrás, éramos só um do outro, só nossos? Partilhávamos a comida, os bancos, os pensamentos e as músicas. Éramos as nossas mãos com que partíamos coisas aos pedaços, para nos alimentarmos.
Depois fiquei míope, deixei de te conseguir alcançar com as mãos e os olhos. Navegaste para muito longe, e quando voltaste não eras a mesma pessoa, já não te conseguia decifrar o pensamento; já não querias partilhar a tua comida comigo.
Agora que te toco, pois jazes no chão, e sei que estas são as minhas mãos, pergunto-me se também o saberás.
Inferno #236: A lâmina.
Sinto constantemente uma faca no pescoço, mesmo a meio do pescoço, entre o ouvido e o ombro, a assobiar, a fazer-me adivinhar a sua frieza tão próxima. Nunca pensei que um dia precisaria de morte, de medo da morte, para sentir adrenalina. A verdade é que estou demasiado gasta, azul, cinzenta e verde-pardo. Sou uma velha de 20 anos. Há quem diga que as mulheres têm prazo de validade. Sempre achei a ideia verdadeiramente idiota, mas começo a sentir o meu.
Inferno #235: Neve.
Bem podes chorar, porque a neve veio finalmente, e agora vês que desapareci. Não sou eu, sou apenas uma enorme cobertura de açucar gelado.
Wednesday, October 8
Inferno #234: A desconstrução pessoal - a sinceridade.
Habituei-me a ser sincera quando me fartei de inventar coisas só para não dizer o que pensava. A sinceridade nunca me levou a lado nenhum: vivo no estado de aparvalhamento próprio de quem vive muito contente com a sua honestidade, mas espero, com toda a sinceridade, que esta sinceridade me valha pelo menos um bom murro no focinho.
Inferno #233: A desconstrução pessoal - a ironia.
Sou, por disciplinada aprendizagem, irónica. Acredito que a ironia é das melhores ferramentas pessoais que podemos desenvolver, sobretudo se atingir aquele ponto em que se confunde com a sinceridade. Sou ambas as coisas: irónica e sincera, a grande questão é saber quando sou uma coisa e quando sou a outra, é que, regra geral, ninguém o perecebe, e quando percebe, acha que está enganado,
Inferno #232: A desconstrução pessoal - o falso intelecto.
Sou, por pura parvoíce, um falso intelecto. Na verdade, conheço muito pouco, muito menos do que finjo conhecer. Muitas vezes, limito-me a acenar que sim com a cabeça e ajo como se não tivesse nada a acrescentar ao assunto, ou então construo um puzzle diferente com tudo aquilo que os outros acabaram de dizer.
Inferno #231: A desconstrução pessoal - a timidez.
Sou, por defeito e por hábito, uma pessoa tímida. Virei-me para dentro há anos, quando não sabia sequer pensar, e simplesmente habituei-me a ser assim. É confortável. É confortável pôr a minha cara misteriosa e perceber que alguém se rói para descobrir o quê de tão misterioso estou a pensar. Provavelmente, estarei apenas a pensar na corrente de ar que me atravessa o cérebro, entrando por um ouvido e saindo pelo outro.
Tuesday, October 7
Inferno #230: A desconstrução pessoal - a maldade.
Sou, por instinto, uma pessoa má. Sou-o por desporto, por diversão pessoal. Dá-me um certo gozo criticar alguém e ver a sua expressão aflita perante a percepção de que não é perfeito.
Thursday, September 11
Inferno #229: A boca.
Tens uma boca que me fixa nos olhos. Mexe-se demoradamente, lambe-se nos lábios de cor rosa carne e depois trinca-os. Tens uma boca carnuda, de onde por vezes espreita um cigarro. Mas a boca não se distrai, e continua a fixar-me os olhos, que já não conseguem desviar o olhar, porque se apaixonaram por ela.
Inferno #228: O demónio.
Tenho um pequeno demónio, adormecido dentro de mim. Nunca o deixo morrer: dou-lhe doces, umas gotas de limão e erva. Alojei-o num canto muito quente do meu corpo. Sirvo-me dele para alimentar o desejo que te tenho e para não deixar que o teu por mim desapareça.
Saturday, August 23
Inferno #227: O edifício.
Ia escalando os andares daquele edifício. Já estava tão lá em cima! Tinha dado a vida àquele maldito edifício com a sua maldita empresa, que não tinha maneira de falir. Tinha somado promoções, títulos, prémios. Agora, quase no topo do edifício, quase a chegar à almejada posição de "chefe de todos", sentia uma enorme vontade de descer o edifício em vez de o subir, de voltar àquele posto que tinha inicialmente, tão confortável em toda a sua insignificância e de trocar a austeridade de agora pela simplicidade de antes, talvez uma pequena família, com um cão ou um gato, em vez desta solidão que sentia agora... De que lhe valia chegar ao topo, se não tinha ninguém com quem comemorar? Não lhe valia de nada. Fechou os olhos e deixou-se cair no ar.
Inferno #226: A doença.
Sabemos da doença, sabemos de como te corrói de formas invisíveis, sabemos que não podes fazer, ver e comer certas coisas. Ainda assim, pomos essas coisas ao teu alcance, num gesto de profundo carinho - não queremos que te sintas privado de nada.
Carinho, ou vontade de te ver desaparecer o mais depressa possível?
Carinho, ou vontade de te ver desaparecer o mais depressa possível?
Inferno #225: tomar conta.
Por que é que tomamos conta de alguém? Por que é que esperamos que em troca tomem conta de nós? Somos mesmo assim tão ingénuos?
Friday, July 11
Inferno #224: A luta
Tinhas um cheiro a fruta madura. Queimavas-me com a língua e os braços, e eu afastava-te bruscamente, para tentar arrefecer, respirar. Abominava isso em ti, esse hábito de chegar e ocupar todo o território com o teu corpo - dizias que era «envolvência», que eu não sabia apreciar a tua fabulosa «envolvência».
Não era «envolvência», era «viscosidade». Mas confesso que já lhe sinto a falta...
Não era «envolvência», era «viscosidade». Mas confesso que já lhe sinto a falta...
Inferno #223: Aniversário
Triste é fazer anos e ver que muitos dos teus amigos andam demasiado ocupados com a vidinha para sequer te darem 5 minutos do seu precioso tempo.
Parabéns para mim, foda-se, sou das pessoas mais porreiras que conheço!
Parabéns para mim, foda-se, sou das pessoas mais porreiras que conheço!
Tuesday, June 10
Inferno #222: Cinema.
Há filmes que, por melhores que sejam, só servem para nos mostrar o quão imperfeita e por realizar a nossa vida é. Só servem para nos mostrar que há quem viva muito mais que nós, não necessariamente por ter sido mais corajoso, mas apenas porque teve mais sorte. Muitas vezes, parte daquilo que somos resume-se a isso mesmo: a momentos de maior ou menor sorte.
Inferno #221: P.V.C.
Dizem que tens um coração de plástico: sem cor, textura ou sentimento. Nunca te conseguiram matar - apenas rasgar-te a casca.
Inferno #220: Fins.
Decidiram separar-se por uns tempos, porque «aquilo» não estava a resultar. Já o tinham feito uma vez: largaram-se por uma semana, porque a rotina os matava aos poucos. Mas desta segunda vez, tinham pensado mais sobre o assunto: ou a inércia do dia-a-dia acabava, ou aquela relação estava destinada a não existir.
Ao fim um mês, ela, mais impulsiva, percebeu que não sabia viver sem ele. Estava certa de que, juntos, poderiam reanimar a relação - afastados assim como estavam é que não chegariam a lado nenhum. Falaram então durante longas horas. Ela pôs o coração bem ao alcance dele: aquele mês tinha-lhe feito ver que o amava, e que queria ficar com ele. Só não estava preparada para a resposta dele: aquele mês tinha-o feito ver precisamente o contrário - já não gostava dela, não iam reatar.
O mundo, as pessoas, perdem constantemente a sincronia...
Ao fim um mês, ela, mais impulsiva, percebeu que não sabia viver sem ele. Estava certa de que, juntos, poderiam reanimar a relação - afastados assim como estavam é que não chegariam a lado nenhum. Falaram então durante longas horas. Ela pôs o coração bem ao alcance dele: aquele mês tinha-lhe feito ver que o amava, e que queria ficar com ele. Só não estava preparada para a resposta dele: aquele mês tinha-o feito ver precisamente o contrário - já não gostava dela, não iam reatar.
O mundo, as pessoas, perdem constantemente a sincronia...
Wednesday, May 28
Inferno #219: Vôa-dores.
Somos traças com asas de celofane de muitas cores, a planar sobre os néons intermitentes de um velho parque de diversões.
Tuesday, May 27
Friday, May 9
Inferno #217: O surto.
Tenho fé que um dia enlouqueceremos todos. Somos loucos, somos todos loucos! Só assim se explica o ritmo a que vivemos - temos mesmo de estar loucos... É isto que sinto quando deito o meu corpo cansado e, depois de um sono insuficiente, acordo sentindo as pálpebras entontecidas, a fazer força para abrir, enquanto teimam em permanecer fechadas.
Inferno #216: O mercado de trabalho
Somos jovens, somos frescos, somos os melhores.
Tiramos bons cursos superiores. Trabalhamos. Entramos cedo, saímos tarde; corremos para completar todas as tarefas do dia. Somos paus mandados, somos sacos de boxe. Somos mercadorias: se não quisermos o trabalho, há-de haver outros macacos que o queiram (nós próprios somos esses macacos).
Em suma, somos putas: aceitamos fazer tudo, desde que nos paguem (e na maioria das vezes, mal).
Tiramos bons cursos superiores. Trabalhamos. Entramos cedo, saímos tarde; corremos para completar todas as tarefas do dia. Somos paus mandados, somos sacos de boxe. Somos mercadorias: se não quisermos o trabalho, há-de haver outros macacos que o queiram (nós próprios somos esses macacos).
Em suma, somos putas: aceitamos fazer tudo, desde que nos paguem (e na maioria das vezes, mal).
Monday, April 28
Inferno #215: Morrer aos bocados.
Lia coisas terríveis nos jornais e já andava a comer mal há semanas. Já não estava com amigos há meses, já não respirava ar que não fosse contaminado. Nem sonhava, nem sorria. Andava preocupada com coisas que não conseguia resolver e atormentada com um amor não correspondido de há um ano atrás. Pareceu-lhe bastante natural quando, um dia, caiu na calçada e deixou de respirar. Afinal o que andava ela a fazer há meses, se não a morrer aos bocados?
Inferno #214: Guardar segredos.
Haverá maior ratoeira?
E se um dia sou apanhada a guardar o segredo de alguém?
E se um dia sou apanhada a guardar o segredo de alguém?
Inferno #213: Bonecas Russas.
As pessoas são como bonecas russas: enormes e grosseiras por fora.
Aos poucos, conseguimos descascá-las, pô-las a descoberto até chegarmos a um ser muito pequeno, delicado e encantador. Mas só podemos vislumbrar esse coração perfeito por breves instantes: na grande parte do tempo, limitamo-nos a ser a camada exterior grosseira, de cores berrantes e madeira envernizada.
Aos poucos, conseguimos descascá-las, pô-las a descoberto até chegarmos a um ser muito pequeno, delicado e encantador. Mas só podemos vislumbrar esse coração perfeito por breves instantes: na grande parte do tempo, limitamo-nos a ser a camada exterior grosseira, de cores berrantes e madeira envernizada.
Inferno #212: o que será, será...(?)
É esmagador o vazio que se sente antes de começar uma coisa que se espera ser realmente importante. Um passo que se dá no nada, na esperança de que continue a haver terra firme debaixo dos pés. É... Um medo terrível de que nada corra como se espera. É isso mesmo: medo.
Aposto nisto ou deixo-me estar no meu canto, que não me preenche mas é relativamente confortável? E se, no fim de contas, nada der certo, o que é que acontece ao castelo que entretanto se construiu na cabeça? Desmorona, pura e simplesmente!? Mas e então, o que será de nós, a reconstruir um sonho a partir do zero, quiçá vezes e vezes sem conta?
Aposto nisto ou deixo-me estar no meu canto, que não me preenche mas é relativamente confortável? E se, no fim de contas, nada der certo, o que é que acontece ao castelo que entretanto se construiu na cabeça? Desmorona, pura e simplesmente!? Mas e então, o que será de nós, a reconstruir um sonho a partir do zero, quiçá vezes e vezes sem conta?
Sunday, March 23
Inferno #211: Os filmes e as meninas tolas.
Piso passeios, subo escadas e meto-me em elevadores fitando o chão. Quando chego ao destino, levanto a cabeça, afasto o cabelo da cara e ostento um olhar perigoso, ao meu melhor estilo hollywoodiano.
Acho sempre que vais estar na esquina a sorrir-me.
Acho sempre que vais estar na esquina a sorrir-me.
Wednesday, March 12
Inferno #210: A psicose.
Eras tu, eras mesmo tu. Como em tantas outras vezes, via-te e escondia-me. Fugia. E corria tão depressa... Mas não o suficiente: eras maior que eu e mais ágil. Acabavas por me alcançar. E depois era o surto. Via-te mesmo em frente a mim, a mudar de homem para lobo, a perder qualquer sanidade (pouca) que tivesses. A voz enrouquecia, os olhos enfureciam e espumavas.
Eu gritava, pedia ajuda, mas ninguém ouvia. Os gritos que conseguiam ultrapassar a boca eram condensados num guincho seco e curto. Estavas a enlouquecer, estavas mesmo a enlouquecer, e fazia-lo ao pé de mim, sem qualquer pudor, sem pensar na enorme confusão que és na minha cabeça.
Acordei alheada. Como de todas as vezes.
Como somos capazes de criar histórias paralelas às reais?
Eu gritava, pedia ajuda, mas ninguém ouvia. Os gritos que conseguiam ultrapassar a boca eram condensados num guincho seco e curto. Estavas a enlouquecer, estavas mesmo a enlouquecer, e fazia-lo ao pé de mim, sem qualquer pudor, sem pensar na enorme confusão que és na minha cabeça.
Acordei alheada. Como de todas as vezes.
Como somos capazes de criar histórias paralelas às reais?
Friday, February 29
Inferno #208: Cansaço.
Quando o corpo fica tão dormente que já nem o sinto. Ou antes, sinto apenas os ombros e a parte de fora do braço, que passou o dia mal apoiado. Naquele momento sou só ombros e braços. Ombros inchados e braços magoados. Ombros e braços incapazes de dar abraços.
Wednesday, February 27
Inferno #205: O Inverno infinito.
Parou de chover há dias, mas o céu continua a parecer-me cinzento, porque deixaste um sabor amargo cá em casa.
Todas as manhãs, quando me levanto, tenho vontade de cair.
Todas as manhãs, quando me levanto, tenho vontade de cair.
Tuesday, February 26
Inferno #204: A poetisa de rua.
Comprei um poema a uma tipa. Ou antes, ela vendeu-me um poema. Comprei-o sem o ter lido (o consumismo...). Decidi mesmo que não o ia ler.
Mas li-o.
Não gostei.
Onde é que posso reclamar?
Mas li-o.
Não gostei.
Onde é que posso reclamar?
Saturday, February 2
Inferno #201: Suspeita.
Se um dia os meus olhos e os teus se cruzassem, acho que não me ias reconhecer.
Thursday, January 17
Inferno #200: segredo.
Em alguns (poucos) dias, sinto um desejo sincero, mas culpado (quase inconfessável): Quero que a poesia se f*da!
Wednesday, January 16
Inferno #199: Passeio pelo fim do mundo, depois da chuva.
Saiu de casa para ver o Inverno que timidamente se anunciava. A cidade estava agora abandonada. O céu era cinzento claro, de fazer doer a cabeça. As botas, gastas de caminhadas antigas, escorregavam na calçada de pedras moles e polidas. No chão, os guarda-chuvas amontoavam-se como morcegos de asas partidas, cegados pela claridade do dia. O cheiro que saía do chão não era a terra molhada, mas a açafrão rançoso.
Não conseguia respirar plenamente o dia. Assustava-se com todos os ruídos, com as folhas que morriam das árvores até ao chão, a dançar gloriosamente pela última vez.
Olhou para si no reflexo de uma porta de vidro. Era de um branco transparente, já quase nem se conseguia ver...
Também ela, como uma folha morta pelo primeiro Inverno, dançava gloriosamente pela última vez, enquanto descia da sua colina de Lisboa até ao Terreiro. Deixou então que as suas pernas de pano a guiassem, e pela primeira vez o seu coração ardeu, ardeu de amor pela cidade (im)perfeita: Lisboa.
Não conseguia respirar plenamente o dia. Assustava-se com todos os ruídos, com as folhas que morriam das árvores até ao chão, a dançar gloriosamente pela última vez.
Olhou para si no reflexo de uma porta de vidro. Era de um branco transparente, já quase nem se conseguia ver...
Também ela, como uma folha morta pelo primeiro Inverno, dançava gloriosamente pela última vez, enquanto descia da sua colina de Lisboa até ao Terreiro. Deixou então que as suas pernas de pano a guiassem, e pela primeira vez o seu coração ardeu, ardeu de amor pela cidade (im)perfeita: Lisboa.
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