Tuesday, October 9

Inferno #181: raio-x.

Os olhos já não são os mesmos. Ganharam ignorância. Perderam mundo. Apresentam-se vazios. No lugar deles, dois berlindes que aprenderam a passar pelas coisas sem as ver.
O cabelo teima em cair. Perde os tons outrora quentes. Agora é cor de rato. Fininho, as mãos quase não o sentem quando passam por ele.
As pernas e os pés vacilam a cada passo arrastado. As veias sobressaem como raízes de uma árvore velha, plantada há muito tempo no lugar de onde nunca saiu.
As mãos perderam vigor. Já não têm vida quando agarram as coisas; a vida que ainda têm serve-lhes apenas para suportar o peso da pele dos braços.
A boca conheceu os seus novos tons de rosa velho. Já não sabe a que sabem as coisas, porque já não as consegue sentir. Fecha-se cada vez mais sobre si mesma, engelha-se, porque já não é quente.
A pele empalideceu e enrugou.
Olha-se ao espelho e sorri, porque não é como se vê por dentro.

5 comments:

Anonymous said...

Bem....
E eu que pensava que a produção literária deste blog e da estimada Francisca era de qualidade, mas lenta.
Num mês deu-se a explosão e que bem que sabe.
Por favor não pares.

Alcebíades José

Francisca C. said...

O Alcebíades voltou! :)

Karin Kollnberger said...

Oi, gostei muito do seu blog, parabéns!
Só uma dúvida: o que são "berlindes"?
Sou brasileira e não encontrei no dicionário.
Beijo!

Rui Barroso said...

Karin,
Berlinde: bolinha de vidro, de pedra ou de metal para jogo de crianças.

Karin Kollnberger said...

Obrigada por deixar um comentário lá no meu blog. Eu nunca usei esses blogs, então não sabia direito se voltava aqui pra responder ou se respondia lá mesmo. Voltei ;)
Acho bastante natural tratar um pseudônimo na terceira pessoa. O que me parece estranho é a pessoa que, ao falar dela mesma, muitas vezes (quase na maioria delas) usa a terceira pessoa (singular, claro). Mas eu queria mesmo ler outras opiniões. Pra mim é estranho porque eu sou incapaz de fazer isso, nem contando uma história que tenha acontecido comigo - talvez eu é que seja esquisita, vai saber...

Parece que berlinde e bola-de-gude não são exatamente a mesma coisa, mas estão quase lá - o importante era entender o seu texto.
Beijo!